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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Lembrei de você

Meus olhos marejaram mais uma vez.
No final da aula recebi um presente.
Receber presente sem motivo, sem esperar é impactante, desconsertante.
Não fui criança de receber presente. Não estou acostumado nem preparado.
Nunca acreditei em Papai noel porque, segundo a lenda, o 'bom velhinho' só presenteia criança boa. Sempre me achei 'criança boa'. Alguns amigos ganhavam presentes por terem 'passado de ano'. Fui ensinado de outra forma. Passar de ano, ser aprovado na escola era obrigação. Era o mínimo a ser feito e como gratidão (mesmo incompreendida) pela oportunidade de aprender. Coisa de pobre. Desculpa utilizada por não ter recursos, repetida tantas vezes que era melhor, mesmo se enganando, fingir que era muito lógico e coerente.
Receber presente continua sendo desconsertante.
Abri a embalagem linda e... meu Deus o que é isso?
Dois estojos de pastel. Um de pastel oleoso e outro de pastel seco. Além disso, várias canetas próprias para quadro branco (objeto muito utilizado em meus recursos didáticos).
Fiquei branco (isso é realmente incrível). Assombrado, pasmo, espantado, surpreso. Calei. Deu aquela vontade de dar um abraço, um pulo, sei lá... fazer alguma coisa, mas congelei.
O que ela disse? Nada. Respirei fundo olhei novamente e ouvi: Lembrei de você.
Cheguei em casa fui logo contando o que aconteceu, reagi como uma criança (foi o que minha esposa falou).
Porque fiquei assim?
Imaginei o momento em que a pessoa pensou em mim. Eu tão longe, eu tão perto. Olhou e pensou. Pensou e pegou. Pegou e viajou fazendo conexão entre eu e o estojo, na realidade dois, de pastel colorido. Enfrentou os sentimentos egoístas e preconceituosos que todos temos. Encarou os riscos da reação adversa e de tantos medos que povoam nossa mente quando o outro é o foco.
Só lembrei da música do Gilberto Gil. Não aconteceu nada. Nada de extraordinário nem no céu, nem no calendário, 'só chamei porque te amo, lá bem fundo do meu coração".
Meu Deus isso é Graça! Favor que não mereço. Não mereço mas reconheço e desfruto com gratidão.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Vamos já até Belém...

Um dos episódios mais extraordinários e singelos que existe no registro bíblico é o aparecimento do anjo anunciando o nascimento do Messias e o grande coral de anjos que aparece diante dos pastores do campo.
Este ano a resposta dos pastores ao evento extraordinário da encarnação me tocou muito.
Gosto de música. Neste período especialmente um canto polifônico, uma orquestra é carinho aos ouvidos e à alma. Imagine um coral de anjos... que espetáculo! E um coral celeste fazendo uma apresentação para simples pastores, cuidadores de ovelhas, profissão insignificante? Isso é pra lá de tocante. Depois desse espetáculo divino, silêncio. Os pastores se entreolham e decidem:
Vamos já até Belém...
Natal estimula o coletivo, o grupo. VAMOS já até Belém.
Natal cutuca decisão. Decisão imediata. Vamos JÁ até Belém.
Natal exige foco, postura, objetivo, compromisso, agenda. Vamos já ATÉ Belém.
O nome Belém significa casa de pão. Belém estava entre as menores cidades de Judá.
Belém, a cidade menor, o lugar que abrigou a promessa, o Messias
A 'pequena padaria' acolheu o Pão da vida que dá vida.
Deus preparou um coral para os pastores. Deus escolheu Belém da Judéia.
Natal é manifestação da Graça. Natal é coisa de gente. Natal é pra gente, toda gente. Gente de qualquer tamanho, credo, etnia, língua, região, religião... Ser humano é gente. Gente precisa de gente. A mensagem é para os de boa vontade.
Mas vontade boa mesmo é a de Deus que decidiu amar a toda gente.
Feliz Natal!!


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Eterno aprendiz

"A vida é uma escola"
Escola que nunca saímos formados. Ultrapassamos barreiras, vencemos etapas mas, na realidade, nunca dominamos o conteúdo todo. A questão não é correr atrás do 'diploma' para pendurar na parede. Nova etapa, novo desafio. A vida é uma grande escalada.Ouvi isso em algum lugar... Gosto da ideia. A cada platô um panorama ainda maior da realidade.
Foi o que vivi numa noite muito quente com os alunos do Colégio Estadual Stella Matutina, no Tanque, em Jacarepaguá.Conversa marcada na sala de leitura, turma cumprindo compromisso escolar, professor aliviado por não ter que 'enfrentar' a obrigação de cumprir os objetivos e atender as exigências da 'grade curricular'. Estávamos todos naquela sala, apertadinhos, cercados de livros por três daquelas quatro paredes. Fui cumprindo agenda, desejando voltar correndo para jantar em frente a televisão vendo meu time de coração jogar. Cheguei cedo, bem antes da hora marcada. Fui muito bem recepcionado pelo inspetor (ainda é assim que se chama?) e pela Deusa. Deusa é a professora, amiga de igreja, que assumiu o desafio de coordenar a sala de leitura.
-Fique à vontade. Quer água? Um café? Por favor, só espere um pouco a fim de que eu conclua essa tarefa, aí conversaremos, está bem?
É claro que não me opus a nada. Fiquei quieto ali. Folheei alguns livros muito interessantes, organizei o material e, não sei porque, resolvi ficar quieto (o que é difícil ocorrer). Nem meu sketchbook que estava ao alcance de minhas mãos foi aberto. Pensei. Pensei em todo o processo que me levou aquele momento. O convite, feito com muito cuidado pela Deusa. O constrangimento dela dizendo que era um colégio público, entenda-se sem remuneração. Minha trajetória como professor de Escola Dominical, minha formação acadêmica, meus conteúdos eclesiásticos e o que levou a minha aluna da EBD, efetuar aquele convite. Minha chegada e o cuidado do inspetor de me oferecer a melhor vaga para o carro. E aquele ambiente... aquele ambiente tão familiar. Uma escola pública. Alunos estudando a noite. A maioria estudando porque durante o dia trabalha. E eu ali, numa  sala de leitura deliciosamente climatizada...
Quando a turma entrou, olhei bem. Encarei um por vez - a sala era pequena - e reparei a forma como eles se organizaram. Perguntei o nome de cada um pedindo eles se apresentassem. Cada um apresentaria o 'parceiro' que tinha sentado perto. Confesso que me vi diante de um espelho. Eu era um deles. Eu fui um deles. Eu sou um deles. Contei, muito rapidamente, minha trajetória, mostrei alguns desenhos e os deixei livre para perguntas. Silêncio. Até que um deles, sempre tem um na turma, disse que não gostava de ler e que parecia que ali ia ter alguma coisa 'maneira'. Pronto. Era o que eu precisava. Conversei com ele fazendo perguntas diretas, do tipo: por que você está aqui? É preciso isso mesmo? Como você imagina a vida?
Foram poucas perguntas e quando vi toda turma estava na conversa. Até o professor, que havia publicado um livro, de forma independente, ficou entusiasmado. Uma delícia de encontro. Foram mais de duas horas juntos, conversando. Ganhei o dia, a semana. Ganhei vida. Saí cantando Gonzaguinha:
Ah meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser
Bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita






segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

É pra sempre?

Já faz tempo (e põe tempo nisso) que o diagnóstico da esclerodermia me acompanha como um 'eco na caverna'. Parece que foi ontem que a médica, nada delicada, falou: "você não está doente, você é doente e tem que aceitar isso". Pareceu uma bomba. E você pensa que aceitei passivamente, que fiquei encolhido? É claro que não. Encarei a médica firme, ignorei sua repreensão e caí dentro de exercícios e tudo o que você pode imagina uma agenda que uma pessoa que deseja mostrar 'vida saudável' faz.
Não passou muito tempo, bem pouco mesmo, e lá estava eu novamente na cama, quietinho ouvindo 'você não está doente, você é doente". Pois é. Um pouco mais tarde aprendi que esse comportamento faz parte de um ciclo natural:


Hoje convivo com a enfermidade pensando que 'cada um tem seu espinho na carne'. Se, como dizia Freud "de perto ninguém é normal', estamos todos na mesma 'barca'. Já (?) consigo olhar a ferida e encontrar nela sentido. Sentido-direção para vida. Esse senso de fragilidade, de 'imunidade reduzida' me faz valorizar e priorizar a vida. Tenho descoberto que nada é perene. É preciso dar valor à caminhada. É claro que para caminhar é preciso ter objetivo. Meta, objetivo são, para mim, sempre conceitos sinônimos à horizonte.
O horizonte é inatingível. Ele está lá marcando o limite e à medida que você se aproxima dele, ele segue adiante e está um pouco mais à frente. Sábias palavras do poeta "a vida vem em ondas, como o mar, num indo e vindo infinito... não adianta fugir nem mentir pra si mesmo..."
Que seja bendito o Senhor que deu capacidade ao cientista de descobrir alternativas medicamentosas. E que seja bendita a médica sensível e habilidosíssima - Dr Célia Barrientos Serra - que fez e faz o acompanhamento do meu caso. Bendita cortizona, alupurinol, lozartana, sinvastatina, micofenolato de mofetina...