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sábado, 23 de agosto de 2014

Estudante no ônibus

Algumas vezes dá certo.
Ontem, enquanto seguia para minha 'sessão de descarrego', como apelidou minha esposa. Estava sentadinho, quieto, terminando de ler Henri Nouwen - O caminho do coração, levantei os olhos e sacudi a cabeça, como costumo fazer, para ouvir os estalos do pescoço - estou ficando crocante, e me deparei com uma aluna do SENAI sentada imóvel ao lado do trocador. Larguei o livro e catei uma caneta e meu sketchbook. Sensacional o modelo vivo, ao vivo, imóvel ali pertinho de mim. Não tem sido fácil esta vida de 'desenhador' no ônibus. Muito solavanco, freadas bruscas, algumas vezes falatório e gritaria ao celular, mas naquela tarde, era um silêncio e a menina descendo a Grajaú-Jacarepaguá mergulhada na música de seu celular, olhando a bela paisagem da cidade do Rio de Janeiro. Minha caneta começou a falhar, catei outra e fui fazendo uma viagem paralela a da adolescente magrinha, de chinelos indo para escola. A trocadora cuidadosa, achou estranho meu olhar fixo para a menina e levantou para ver o que eu estava fazendo. Não falou, sorriu apenas. Quando a estudando passou pela roleta a trocadora exclamou: 'cê' não viu? Viu o que tia? Perguntou a menina. O desenho falou ela baixinho, como se eu não estivesse ouvindo, apontando para mim. A menina pagou a passagem, esticou o pescoço e saiu sorrindo.
Confesso que pensei que ela pediria para registrar o desenho no seu aparelho, mas ela atravessou o coletivo correndo em direção á saída e desceu do ônibus.
Na volta da aula, não por acaso no centro da cidade maravilhosa, ajustando minhas anotações no ônibus, voltei a folhear meu slketchbook na expectativa de encontrar algum dorminhoco ou modelo que eu pudesse rabiscar. Entrou uma senhora com duas bolsas imensas, uma lata branca e, como o ônibus estava cheio, sentou-se ao lado do motorista, cansada de frente para mim mas, com o olhar perdido no chão do coletivo. Pensei na hora: é ela! Comecei a fazer o desenho e o motorista parou o carro e sentenciou: não pode ficar aí não dona! Perdi o modelo. Rabisquei um bocado de coisas, anotei reflexões sobre a aula de neurociência, terminei de ler o livro e, um pouco antes de chegar ao meu destino, o ônibus já vazio, um rapaz muito educadamente sentou-se atrás de mim e puxou assunto.
Tio, vi seu trabalho, o senhor desenha muito. Posso fotografar umas folhas e levar para o meu irmão que também gosta de desenhar? Liberei meu sketch e, só para implicar disse para ele folhear e escolher um. Eu sorri como quem autoriza. O rapaz fez vários registros e, quando parou no desenho da menina pediu para fotografar só mais um e registrou a imagem, ainda sem assinatura.

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